No dia 12 de janeiro deste ano um terremoto devastou o Haiti. Uma semana depois, uma tropa com 41 homens da Engenharia Militar da Amazônia partiu para prestar serviços à Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH). Eles passaram 6 meses lá, e voltaram neste último dia 10. Eu tive a oportunidade de conversar com um deles, o Subtenente Benício, que me contou como foram esses meses de serviço.
A entrevista toda foi longa, mas vou colocar aqui uma versão pocket dela:
Como foi o ingresso nas Forças de Paz?
Existe todo um processo seletivo. Primeiro é preciso ser voluntário, mandamos uma informação com nossos dados e nossas habilidades. Esse documento é enviado ao Estado Superior, e você passa por um processo seletivo. E aí, após ser selecionado, o militar vai fazer uma série de serviços se preparando para o trabalho no exterior. Esse é o chamado preparo. O preparo descentralizado, com a primeira fase desenvolvida aqui em Manaus, e, posteriormente, o preparo centralizado com os outros militares do Exército vindos de diversas regiões do país, trabalho esse que foi desenvolvido lá no Rio de janeiro. Fizemos as duas partes entre Agosto e Dezembro do ano passado. Viajamos em Janeiro deste ano.
Como você descreve a experiência de primeiro contado com a situação?
Antes de viajar criamos uma série de expectativas, porque o que a gente conhece sobre o lugar é passado por quem já foi. Nós chegamos lá uma semana após o terremoto, encontramos o país num caos total, só ruínas, então foi uma chegada bem traumática para muitos. Foi bem diferente do que esperávamos, porque o normal seria chegar lá e continuar o trabalho que o batalhão anterior estava desenvolvendo, mas com o terremoto mudou tudo. Começamos a desenvolver um trabalho em função do terremoto, porque toda a força disponível foi empregada na assistência as vítimas.
A chegada da ONU deu uma esperança a eles?
Bem, eles querem uma mudança, eles contam muito com isso. E é o país mais pobre da América, então ele precisa muito de ajuda dos outros. Parece-me que eles querem que a ONU faça algo em prol deles para que eles possam trabalhar com as próprias pernas. Mas, inicialmente, com um trabalho internacional para que isso ocorra. Eu acho que ainda leva tempo para eles conseguirem aquilo que anseiam. A gente conversa com vários haitianos, muitos soldados da base são haitianos, e o sentimento comum deles é esse. Eles têm orgulho, porque é a primeira nação independente da América, e lá eles dizem que serviram de modelo para outros países da América. Então eles têm orgulho, eles têm vontade de crescer como país. E eu acho que estão buscando, eles estão no caminho certo. Basta ter um esforço conjunto das outras nações em ajudá-los.
Seis anos depois no início da MINUSTAH, como você julga a atuação da missão no Haiti? Qual sua importância para o país?
Antes de o Brasil assumir, o país era um caos total. Então a gente conversando com os diversos companheiros que foram e tiveram a oportunidade de retornar ao Haiti, eles contam a diferença. Quando eles foram, logo no começo, não podiam transitar em algumas áreas porque se não tomavam tiro, e hoje não. Está mais pacífico, tem área verde, a gente já pode circular. As lojas, os comércios, antigamente, sem segurança, não podiam funcionar, e hoje já estão funcionando alguns, já está voltando a certa normalidade. Então há um trabalho progressivo que vem sido desenvolvido ao longo desses 6 anos, e segundo aqueles que tiveram uma visão de antes e depois, melhorou, tá dando resultado.
Qual a melhor lembrança que você trouxe do Haiti?
A Companhia de engenharia adotou um orfanato, e como eu trabalhava muito na base, não tive oportunidade de visitar. Mas o orfanato passou um dia com a gente lá na base e foi gratificante, foi muito bom brincar com aquelas crianças. E tinha uma menininha, ela tinha uns 3 ou 4 anos, e ela me abraçou e não queria mais me soltar. Ela brincou comigo o tempo todo, e eu ia dar ela pra outra pessoa e ela não desgrudava de mim. E aquilo me marcou, uma criança órfã, que perdeu o pai e a mãe.A gente vê que um pouco de carinho que a gente doa pra eles faz a diferença.
Como está o Haiti agora?
Está voltando à normalidade. No pós terremoto, nos dias que sucederam a tragédia, a gente encontrava nas ruas os sobreviventes e parecia que eles estavam muito no estado de choque. Eu passei dois dias no mesmo local e havia uma mulher que durante os dois dias ficou sentada no mesmo lugar. As ruas eram sujas. E agora já é possível circular com normalidade, as vias estão limpas, as edificações estão sendo reconstruídas, a gente vê lá casas, prédios, os comércios abertos, pintados, arrumados. A gente já vê certa normalidade, ninguém vê mais aquele pessoal vagando a esmo, que foi o caso do pós terremoto. Foi gratificante trabalhar para que eles conseguissem voltar a essa normalidade. Foi gratificante presenciar essa transição de sentimentos, do choque até a esperança, a vontade de lutar. Porque ninguém previa esse terremoto, eu, por exemplo, fui para fazer asfalto, tapar buraco, enfim, e de uma hora pra outra mudou, eu só fui trabalhar com asfalto no final da missão. O esforço de todos contribuiu para ajudar.
"É um orgulho muito grande, uma satisfação pessoal, uma satisfação também para a nossa família. É bastante gratificante ter feito e participado desse trabalho em prol da nação haitiana. Um povo guerreiro, sofrido, mas que tem orgulho, e eles precisam do nosso apoio. Não só do Brasil, mas de outros países também, para que eles possam aprender a seguir seu rumo, e eles têm tudo pra isso." Subtenente Benício.